Guardiões da Saúde Única: Os médicos-veterinários na linha de frente do serviço militar

Os médicos-veterinários militares desempenham diversas funções essenciais, tais como manejo, reprodução, atendimento clínico-cirúrgico dos animais, adestramento, biossegurança, inspeção de alimentos, controle de zoonoses, vetores e pragas, além de gestão ambiental.

No dia 17 de junho, comemora-se o Dia da Medicina Veterinária Militar. Na data, o CRMV-RJ presta homenagem aos profissionais que se dedicam a essa profissão dentro das Forças Armadas, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, bem como em grandes eventos e missões de paz.

A data foi escolhida para homenagear o Tenente-Coronel Médico João Muniz Barreto de Aragão, patrono da Medicina Veterinária Militar. Ele nasceu em 17 de junho de 1874, em Santo Amaro, Bahia, filho do Barão de Mataripe. Muniz de Aragão prestou serviços inestimáveis à Veterinária Militar, ao Exército e ao país, deixando um legado de dedicação à ciência e à carreira militar.

O CRMV-RJ teve a oportunidade de entrevistar três militares que atuam em diferentes instituições, demonstrando a diversidade de áreas de atuação da Medicina Veterinária Militar. Essas entrevistas ilustram o compromisso dos médicos-veterinários militares em proteger e cuidar dos animais, bem como em promover a saúde pública e a preservação do meio ambiente, mesmo em cenários desafiadores.

Confira:

Medicina Veterinária e a relação histórica com o Exército Brasileiro

O coronel veterinário Francisco Augusto Pereira dos Santos, que atualmente está na reserva do Exército Brasileiro, teve como última função no Ministério da Defesa, em Brasília, a Coordenação Geral da Seção de Interoperabilidade em Subsistência e Saúde Operacional da Chefia de Logística Operacional e Mobilização.

Francisco conta que se formou em 1988 na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e, desde muito jovem, sentia muita atração e empatia pelos animais, como quase todos que escolhem essa profissão.

“Claro que a TV também exerce influência nos jovens e programas que gostava muito de assistir eram o Vigilante Rodoviário, onde um Policial Militar exercia suas atividades policiais com um cão Pastor Alemão, e Daktari, uma série de televisão que abordava a rotina de Hospital Veterinário em plena Africa Oriental”, contou.

Porém, até a formatura, o coronel veterinário da reserva conta que não fazia a ideia de que o Exército contratava médicos veterinários.

“Em 1989 fui selecionado para ingressar na Força como oficial temporário e permaneci nessa situação até que o Exército começou a formar oficiais de carreira. Desta forma, após servir como oficial temporário e conhecer e gostar das peculiaridades da carreira, prestei concurso público a nível nacional, que até hoje é disponibilizado anualmente para os médicos-veterinários formados, sendo aprovado para ingresso em 1993. Minha formação militar se deu em Salvador-BA, local onde até hoje continuam a ser formados os oficiais de saúde do Exército. Os oficiais temporários permanecem nas Forças Armadas por até oito anos e os de carreira seguem o fluxo normal de promoções podendo alcançar até o posto de coronel e ingressar na reserva após 35 anos de serviço”, emendou.

Nestes 34 anos de efetivo serviço, Francisco conta que teve a oportunidade de trabalhar em quase todas as áreas de atuação do médico-veterinário, como com os cães-de-Guerra, fazendo análises de alimentos, com os cavalos de emprego militar, até que conheceu uma que considerou “empolgante”, que é a Saúde Pública, muito pouco divulgada durante sua época de faculdade.

“Tive a oportunidade de integrar por duas vezes o Contingente Militar da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) sendo responsável pela saúde da tropa através de medidas de controle de zoonoses e pragas, inspeção de alimentos, biossegurança, biodefesa, entre outras, além das medidas de prevenção de danos ambientais. Também integrei por duas vezes a Operação Acolhida de ajuda humanitária aos refugiados venezuelanos em Boa Vista e Pacaraima- RR, exercendo as mesmas funções para os brasileiros e venezuelanos. Ainda na área de saúde, preparava os militares brasileiros que iam integrar missões da ONU na África, através de instruções sobre prevenção de doenças e segurança ambiental na área de operações. No final da minha carreira era o responsável pela regulamentação das ações de Saúde Operacional, Segurança dos Alimentos e Segurança e Defesa Alimentar no âmbito da Marinha, Exército e Força Aérea”, disse.

Francisco ainda contou que a Medicina Veterinária tem uma relação histórica com o Exército, sendo que uma das primeiras faculdades de Medicina Veterinária no Brasil foi a Escola de Veterinária do Exército, criada através de um decreto de 1910 e que começou suas atividades em 1914. O Exército também possui suas unidades de cavalaria, responsáveis pela manutenção das tradições que fazem parte da identidade cultural e social da história do Brasil.

“Além disso, servimos nos Campos de Instrução e Centros de Educação Ambiental e Cultural, que contribuem para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos, protegendo as espécies ameaçadas de extinção e onde se discutem as possibilidades da aplicação de técnicas de proteção do meio ambiente, estimulando o pessoal civil e militar a elaborar estudos referentes às atividades a serem realizadas pelo Exército Brasileiro. Em última instância, contribuem para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais e preservação de espécies ameaçadas. Tudo em consonância ao conceito universal de Saúde Única. Os oficias veterinários dos 18 Laboratórios de Inspeção e Análise de Alimentos espalhados pelo Brasil, realizam as análises dos alimentos consumidos por todos os militares do Exército, contribuindo para a manutenção da saúde coletiva. Os Oficiais Veterinários especializados em Defesa Biológica estão preparados para enfrentar possíveis ameaças na área biológica, decorrente de ações intencionais ou acidentais que possam eventualmente atingir a população brasileira. Esses são só alguns exemplos do papel fundamental que os médicos-veterinários militares exercem em prol da sociedade”, finalizou.

Contribuição da Medicina Veterinária na Pmerj

Atualmente, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (Pmerj) conta com 19 médicos-veterinários que integram o Quadro de Oficiais de Saúde. A 1º Tenente PM temp. Vivian Gomes Ferreira de Almeida é uma delas, atuando na Seção Veterinária do Batalhão de Ações com Cães e responsável pelo serviço de cinoterapia.

A profissional conta que sempre foi uma criança que sonhava em ser médica-veterinária, mas que durante a adolescência também cogitou outras profissões, como historiadora e arquitera. Foi no ensino médio, após a morte da sua primeira cadela, Dayse, que resolveu fazer vestibular para Medicina Veterinária, pois não queria mais ver nenhum cão sofrer.

“Entrei na Universidade Federal Fluminense com 18 anos. Foram cinco anos intensos de faculdade. Além das disciplinas eu fui monitora da matéria de Nutrição Animal, fiz dois anos de iniciação científica aferindo a pressão arterial de cães obesos, participei de um projeto de extensão sobre clínica de pequenos animais e suas especialidades e também iniciei o grupo de medicina felina na faculdade. Também fiz dois anos de estágio na Royal Canin do Brasil (fábrica de ração) e mais dois anos de estágio do Hospital Universitário Veterinário Professor Firmino Marsico Filho (HUVET – UFF), no serviço de clínica médica. Durante um ano fui presidente do Diretório Acadêmico Vital Brazil Filho (DAVBF). Logo após me formar (2015), fiz Residência em Medicina Veterinária do HUVET-UFF (2016 a 2018), Mestrado e Doutorado em Clínica e Reprodução Animal (UFF). Também realizei pós-graduação em Homeopatia Veterinária no Instituto Hahnemanniano do Brasil (2018 a 2019) e em Acupuntura no Centro Brasileiro de Acupuntura (2019 a 2021). Além de cursos livres relacionados a Medicina Veterinária Integrativa”, disse.

Ela ainda conta que sempre almejou ser servidora pública e sempre foi ‘cachorreira’: “Já havia prestado concurso para Marinha, porém ainda era recém formada. No início de 2022, quando vi o processo seletivo para profissionais temporários da área de saúde, da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, não tive dúvidas. Me inscrevi no concurso para Veterinário de Caninos e devido ao meu currículo fiquei em quinto lugar geral (de todos os profissionais de saúde) no concurso e iniciei na PMERJ em agosto de 2022”, contou.

A Medicina Veterinária é uma profissão que cuida da saúde dos animais e da saúde da sociedade por meio da vigilância sanitária, prevenção de zoonoses, inspeção de alimentos de origem animal, cuidados com o meio ambiente e terapia assistida por animais. No meio militar não é diferente. Na PMERJ, existem médicos veterinários que trabalham com Medicina Equina, Medicina Canina e Medicina de Animais Silvestres. Cuidando da saúde dos animais de trabalho (equinos e caninos), eles podem ser utilizados no emprego policial com mais eficácia e sem risco para os seus condutores e para sociedade. Com isso, aumenta a eficácia da segurança pública (em distúrbios civis, por exemplo) e na apreensão de armas, drogas e identificação de explosivos. Cuidando dos animais silvestres, o médico-veterinário preserva o meio ambiente, promove segurança alimentar e conscientiza a sociedade.

No Batalhão de Ações com Cães (BAC), a médica-veterinária é uma das oficiais médica-veterinária de um plantel de aproximadamente 80 cães. Ela conta que os cães do BAC trabalham e treinam diariamente em diversas funções: controle de distúrbio civil, faro de armas e drogas, faro de explosivo, busca e captura (odor específico), intervenções táticas e cinoterapia.

A base do trabalho com os cães, conforme explicado por Vivian, é a prevenção do plantel com vacinação, controle de ecto e endoparasitas, prevenção da dirofilariose e da leishmaniose. Também temos um projeto de medicina esportiva para treinamento constante dos cães e suplementação nutricional para os cães estarem sempre aptos para o serviço.

“É realizado um programa de reprodução para reposição do plantel, já que aos oito anos de idade o cão de trabalho se aposenta. Há sempre um auxiliar de veterinário nas operações em áreas conflagradas e quando necessário realizam o atendimento pré-hospitalar dos cães feridos. Posteriormente os cães são encaminhados para o setor de medicina veterinária, no BAC, para continuarmos o atendimento. Estamos finalizando as obras do setor de imaginologia e do centro cirúrgico para termos autonomia para o tratamento dos cães. Eu também sou responsável pelo serviço de cinoterapia que realiza atividade assistida por animais com crianças e terapia assistida por animais com idosos, em parceria com o Centro de Fisiatria e Reabilitação da PMERJ. No BAC, os oficiais médicos veterinários também ministram instruções nos cursos oferecidos pelo batalhão, como o Curso de Condutores de Cães e Curso de Adestramento de Cães”, declarou.

O papel do médico-veterinário na FAB

A 2° Tenente Veterinária Gabrielle Fontenelle Wanderley, que atua na Assessoria de Segurança de Voo da Base Aérea de Santa Cruz (BASC), no Rio de Janeiro, sempre teve admiração pela carreira, visto que seu pai era militar do Exército. Ela conta que almejava estudar para as provas de admissão após a conclusão da graduação, mas optou por dar continuidade aos trabalhos já desenvolvidos durante a faculdade e se dediquei à seleção para o mestrado. Em 2021, no entanto, surgiu a oportunidade do processo seletivo para Veterinário da FAB e foi aprovada. Anteriormente, era pesquisadora de pós-doutorado, atuando na UFF e Fiocruz, e também clínica de pequenos animais.

Assim como a 1º Tenente PM Vivian, Fontenelle iniciou sua faculdade de Medicina Veterinária na Universidade Federal Fluminense, em 2005, pensando em trabalhar com pequenos animais. Entretanto, durante a graduação foi conhecendo outras áreas da Medicina Veterinária e tendo mestres que a inspiraram e contribuíram muito para sua formação.

“No segundo período comecei estágio em clínica veterinária de pequenos; no terceiro iniciei na Sociedade Hípica Brasileira com o admirável Dr. Alceu Cardoso; no quarto período fui monitora de Micologia Médica e no quinto fui aluna de iniciação científica na área de alimentos, do grande Prof. Dr. Teófilo Pimentel, trabalhando com carnes. A partir daí me apaixonei pela área e comecei a freqüentar workshops, congressos e fazer disciplinas optativas para aprender mais, pois as disciplinas na graduação só começariam em período mais à frente. Contudo, não deixei a clínica de pequenos que era minha primeira paixão e continuei nos estágios”, contou.

E continuou: “Terminei a graduação em 2010 e decidi ir em frente na área científica de Alimentos. Em 2011 iniciei o Mestrado em Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal na UFF, com pesquisa de parasitos de importância zoonótica em peixes comerciais, tendo o ilustre e saudoso Professor Sérgio Carmona como orientador, que me acompanhou até o Doutorado. Nessa etapa, dei continuidade aos estudos com parasitos de peixes, atuando com imunologia e tive a oportunidade de ter mais dois mestres como co-orientadores, o Prof. Dr. Mauricio Verícimo do Laboratório de Imunologia das Doenças Infecciosas e Granulomatosas da UFF e o Prof. Dr. Marcelo Knoff, biólogo e chefe do Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados, do IOC/Fiocruz, locais onde desenvolvi minha tese. Agradeço a todos os professores que passaram pela minha trajetória acadêmica, amigos e colaboradores dos laboratórios de cada fase, pois foram de fundamental importância para todo o processo”.

A profissional explicou ainda que a graduação em Medicina Veterinária exige muita disciplina, horas de estudo e persistência, e que, por carregar consigo esses valores, isso contribuiu em muito para vida militar e conseqüentemente para o cumprimento das suas missões na FAB.

“Eu sirvo na Base Aérea de Santa Cruz. Atuo em uma área pouco conhecida para a Medicina Veterinária e de extrema importância: a Segurança de Voo. Dentro desta grande área, existe o risco de fauna que é o risco de colisões entre aeronaves e fauna, principalmente aves, além de mamíferos. É o tipo de incidente mais repetitivo na aviação mundial e representa hoje uma das maiores preocupações para o setor aéreo. Eu trabalho com uma equipe multidisciplinar no gerenciamento do risco de fauna e desempenhamos diversos procedimentos de mitigação conforme realidade organizacional e melhor custo-benefício. A finalidade é incorporar procedimentos à rotina operacional do aeródromo e assim reduzir progressivamente o risco de colisão entre aeronaves e animais. A importância do Médico Veterinário na equipe é zelar pela assistência técnica e sanitária aos animais sob qualquer forma, conforme consta em nossas competências privativas”, finalizou.

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