Alimento seguro só com inspeção de médicos-veterinários: Entrevista com coordenador estadual de controle de qualidade de produtos

A fiscalização e a inspeção em estabelecimentos que produzem alimentos de origem animal são atribuições privativas do médico-veterinário, com auxílio do agente de atividades agropecuárias, conforme determinado na Lei nº 5.517/1968 e Decretos, federal nº 9.013/2017 e estadual/RJ nº 38.757/2006.

O Coordenador Estadual de Controle de Qualidade de Produtos responsável pelo Serviço de Inspeção Estadual do Rio de Janeiro – SIE/RJ da SEAPPA, há mais de 10 anos, André Sampaio Ferreira (CRMV-RJ 4985) concedeu entrevista ao CRMV-RJ e falou sobre a importância do médico-veterinário na inspeção de alimentos, os desafios enfrentados pelos médicos-veterinários do SIE/RJ, o controle das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs), entre outros assuntos.

O conteúdo faz parte da campanha “Alimento seguro só com inspeção de médicos-veterinários”, que visa alertar sobre os riscos de consumir alimentos sem a inspeção sanitária de médicos-veterinários e a importância desses profissionais na cadeia alimentar.

Confira:

Qual é o papel e as principais responsabilidades do médico-veterinário na inspeção de alimentos de origem animal?

O médico-veterinário, sendo o coordenador da equipe de inspeção, é o responsável pelas ações de fiscalização, inspeção, registros, julgamentos e destinos dos alimentos produzidos, garantindo a qualidade e a inocuidade dos produtos de origem animal oferecidos à sociedade, das agroindústrias registradas nos serviços de inspeção.

Como a presença do médico-veterinário na inspeção de alimentos contribui para a garantia da segurança dos alimentos?

Os alimentos seguros devem ser saudáveis, sem a presença de contaminantes químicos, físicos, biológicos, e não causar danos à saúde do consumidor. Ao longo da cadeia de alimentos, estes são submetidos a diferentes processos de preparo e condições susceptíveis de contaminá-los. Em cada uma dessas etapas há a responsabilidade de assegurar todas as medidas necessárias para manter o alimento nos requisitos de inocuidade e segurança adequados até o momento de seu consumo. O médico-veterinário do serviço de inspeção fiscaliza e inspeciona cada uma dessas etapas, da recepção das matérias primas à expedição do produto final, através de técnicas higiênico sanitárias, físicas, químicas e/ou microbiológicas, verificando os programas de autocontrole implementados pelas agroindústrias solicitando correções quando houver, definindo o destino do lote produzido quando alguma falha identificada não possa ser corrigida para que as condições preestabelecidas sejam atendidas, e assim, o alimento possa ser comercializado de forma segura.

Quais são os principais desafios enfrentados pelos médicos-veterinários na inspeção de alimentos atualmente?

Um dos principais desafios enfrentados pelos médicos-veterinários do Serviço de Inspeção Estadual do Rio de Janeiro – SIE/RJ é o reduzido efetivo do quadro de servidores concursados, com poder de polícia, insuficiente para conseguir atender à demanda da fiscalização e inspeção das agroindústrias, principalmente em Abatedouros-Frigoríficos que é necessário a inspeção permanente. Outro desafio, são as inúmeras normas sanitárias elaboradas a cada ano, muitas vezes contraditórias, nas diferentes classificações de agroindústrias e categorias de produtos (carne, leite, pescado, mel e ovos e seus derivados), dificultando a tomada de decisões nas ações, apesar das constantes atualizações e capacitações dos técnicos, que atuam ao mesmo tempo em todas as áreas, com frequência sem o auxílio do agente de atividades agropecuárias.

De que maneira os médicos-veterinários colaboram para a prevenção e controle de doenças transmitidas por alimentos e na proteção da saúde pública?

As doenças transmitidas por alimentos – DTA, são doenças de caráter infeccioso ou tóxico, causadas por agentes biológicos, químicos ou físicos, que entram no organismo por meio de algum alimento ou água contaminados. A maioria das DTAs são oriundas de produtos de origem animal – POA. Nas agroindústrias de POA registradas nos órgãos sanitários competentes, o serviço de inspeção oficial coordenado por um médico veterinário, atua para que os alimentos sejam produzidos de forma segura, prevenindo que sejam contaminados pelos agentes biológicos, químicos ou físicos, garantindo a qualidade e a inocuidade dos alimentos oferecido à sociedade e consequentemente, prevenindo as DTAs. Essas doenças podem ser muito graves, principalmente em idosos, crianças ou imunodeprimidos.

Quais são os critérios utilizados pelos médicos-veterinários para determinar se um produto de origem animal está em conformidade com as normas de segurança e qualidade?

Em primeiro lugar, todos os produtos de origem animal só podem ser produzidos quando registados em algum órgão de inspeção oficial seja, Serviço de Inspeção Municipal – SIM, Estadual – SIE ou Federal – SIF. Para que isso seja possível, os processos de fabricação devem atender aos respectivos Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade de cada produto, onde estão regulamentados vários parâmetros, físico-químicos, microbiológicos, forma de apresentação, rotulagem, matérias-primas, ingredientes, aditivos e concentrações permitidas. O serviço de inspeção controla esses parâmetros, nas linhas de produção e processos, com auxílio de instrumentos portáteis ou instalados nos próprios equipamentos; realiza coletas fiscais periódicas de amostras de produtos e encaminha para análises em laboratórios oficiais ou credenciados; solicita correções nos programas de autocontrole das empresas quando verificado alguma não conformidade e, muito importante destacar para o sucesso do trabalho, deve contar com a colaboração dos Médicos Veterinários responsáveis técnicos das agroindústrias, capacitados para entender e atender às exigências solicitadas nas fiscalizações nos prazos pré-estabelecidos. Todas essas ações em conjunto visam disponibilizar alimentos seguros, com qualidade, aos consumidores.

Como o trabalho dos médicos-veterinários na inspeção de alimentos contribui para o bem-estar animal?

Nos estabelecimentos destinados ao abate dos animais produtores de carne, a fiscalização e a inspeção oficial são de caráter permanente, como já comentado anteriormente. Nesses estabelecimentos, o médico-veterinário e seus auxiliares são responsáveis entre outras obrigações, por fiscalizar em garantir o bem-estar animal. Para isso, os maus-tratos e toda forma de violência, crueldade e negligência praticadas contra os animais são combatidos, protegendo-os contra sofrimentos desnecessários, prolongados e evitáveis, através do abate humanitário, desde o desembarque dos animais até a operação de sangria onde são abatidos.

Quais são as perspectivas futuras para a atuação dos médicos-veterinários na inspeção de alimentos?

A inspeção de alimentos de origem animal sendo atribuição privativa do médico veterinário com poder de polícia para a realização de suas obrigações legais, deve ser realizada pelo estado, havendo para isso a necessidade de concurso público específico para a fiscalização. A capacitação e atualização dos médicos-veterinários frente às mudanças tecnológicas e consequentemente as normas sanitárias, também deve ser encarada como necessidade permanente para melhor atender as demandas da sociedade. No Rio de Janeiro temos uma deficiência muito grande de profissionais capacitados que conheçam as normas sanitárias e os processos tecnológicos de produção de alimentos, para atender a demanda das agroindústrias como responsáveis técnicos e também, para suprir a necessidade da fiscalização no serviço público. Se isso não for mudado, corremos o risco de outras profissões ocuparem essas vagas, como já vem acontecendo na responsabilidade técnica de agroindústria.

André Sampaio Ferreira

Graduado em Medicina Veterinária desde 1996, com mestrado em Higiene, Inspeção e Tecnologia de Alimentos de Origem Animal concluído em 2021, na Universidade Federal Fluminense. Atuou como médico-veterinário, 2º Tenente na Academia Militar das Agulhas Negras – Exército Brasileiro por um ano e meio.

Foi responsável técnico de empresa de Consultoria em Vigilância Sanitária e de agroindústrias de produtos de origem animal, até ingressar na Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento do estado do Rio de Janeiro – SEAPPA/RJ em 2006, sendo lotado no município de Macaé, responsável pelo serviço de inspeção, permanente no Abatedouro-Frigorífico de Bovinos e periódicas em outras classificações de estabelecimentos agroindustriais, por três anos. Hoje, está como Coordenador Estadual de Controle de Qualidade de Produtos responsável pelo Serviço de Inspeção Estadual do Rio de Janeiro – SIE/RJ da SEAPPA, há mais de 10 anos.

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