Influenza Aviária de alta patogenicidade já foi reportada em mais de 22 países pelo mundo em 2021. Como isso impacta a sociedade?

Influenza Aviária

Segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), a Influenza de alta patogenicidade já foi reportada em mais de 22 países pelo mundo em 2021, na África, Ásia e com destaque para os casos na Europa, onde tivemos notificação na Inglaterra, França, Itália, Espanha, Suíça, Suécia, Alemanha, Rússia, Croácia, República Tcheca e Áustria.

De acordo com a professora titular da Faculdade de Veterinária da UFF e médica-veterinária Virginia Léo de Almeida Pereira – que possui mestrado em Ornitopatologia, doutorado em Higiene e Processamento Tecnológico de Aves, Ovos e Derivados pela mesma universidade – de um modo geral, as notificações de Influenza Aviária no mundo estão relacionados aos aspectos de controle sanitário das criações e das medidas de saúde pública.

“Por isso, a ocorrência dessa doença nas aves afeta, também, o comércio internacional de aves e de produtos avícolas. No Brasil nunca tivemos notificação de Influenza Aviária nos planteis brasileiros. Somos considerados como um dos países no mundo com maior biosseguridade no setor avícola. Não é à toa que o Brasil é o maior exportador e o terceiro maior produtor de frangos do mundo”, declarou.

Virgínia e a também professora associada da Faculdade de Veterinária da UFF e médica-veterinária, Dayse Lima da Costa Abreu – que possui mestrado em Ornitopatologia, doutorado em Higiene e Processamento Tecnológico de Aves, Ovos e Derivados pela UFF, participaram de uma entrevista com o CRMV-RJ. Confira:

– Em que consiste a gripe aviária?

Virginia: A gripe Aviária é uma doença causada pelo vírus Influenza tipo A, dos subtipos H5, H7 e H9. Para entender melhor, é preciso falar um pouco do vírus Influenza. Esse vírus foi classificado em tipos: A, B, C e D. Os tipos B e C acometem principalmente humanos. Sendo que o C já foi relatado também em suínos, causando doença branda. O B é o mais comum e aparece em gripes sazonais. O vírus Influenza tipo A acomete animais, inclusive humanos e é um vírus que pode sofrer muitas mutações por sua composição. Esse vírus foi subclassificado de acordo com duas proteínas virais, a hemaglutinina (H) e a neuroaminidase (N). Já foram descritas 18H diferentes e 11N, então a variedade do vírus é de acordo com a combinação entres essas H e N, sendo que em humanos, a infecção normalmente ocorre pelos subtipos virais H1, H2 ou H3 e N1 ou N2 e nas aves pelos subtipos H5, H7 e H9. O tipo D foi descrito em bovinos e ainda não foi relatado como causador de doença em humanos.

Dayse: O influenza vírus é um RNA vírus com o genoma segmentado que permite muitas recombinações cada vez que ele se replica nas células do hospedeiro. Quanto mais o vírus circula em espécies diferentes de animais, maior a sua capacidade de mutação. A variação viral pode acontecer de duas maneiras: drift e shift. A variação drift é mais suave e ocorre por mutações pontuais do genoma, provocando erros na transcrição que geram essas variantes capazes de escapar da imunidade produzida por uma infecção anterior ou por vacinação. A variação shift só acontece nos vírus da influenza do tipo A, quando há um rearranjo entre uma cepa que infectou o humano e outra que infectou outra espécie animal, podendo dar origem a uma nova cepa. Nesse caso também a imunidade produzida por vacina ou por infecções prévias podem não evitar a infecção por essa nova cepa.

– Existe risco de transmissão para os seres humanos?

Dayse: A gripe ou Influenza é uma das principais causas de doença e mortes em humanos no mundo todo. Mas temos que fazer a distinção entre a influenza sazonal e a Influenza Aviária. Como já explicamos, o vírus Influenza tipo A, que acomete várias espécies animais pode se transmitir para humanos. De acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), os humanos podem ser infectados com vírus da gripe aviária, suína e zoonótica, como os subtipos A (H5N1), A (H7N9) e A (H9N2) da gripe aviária e subtipos A (H1N1), A (H1N2) e A (H3N2). da gripe suína. Outros subtipos podem infectar equinos, pequenos animais, mamíferos aquaticos e as aves aquaticas sao reservatórios do virus. Infecções por vírus da influenza aviária, suína e zoonótica em humanos podem causar doenças que variam de infecção leve do trato respiratório superior (febre e tosse), produção precoce de expectoração e rápida progressão para pneumonia grave, sepse com choque, síndrome da dificuldade respiratória aguda e até morte. Conjuntivite, sintomas gastrointestinais, encefalite e encefalopatia também foram relatados em vários graus, dependendo do subtipo.

Virginia: É importante informar que as infecções humanas pelos Influenza virus da gripe aviária acontecem principalmente pelo contato direto dessas pessoas com animais infectados ou ambientes contaminados. Esses vírus ainda não tem a capacidade de transmissão entre humanos, o que diminui a gravidade da disseminação. A ingestão de carne de aves ou ovos não transmite o vírus.

A maioria dos casos humanos de infecção pelos vírus influenza A (H5N1) e A (H7N9) foi associada ao contato direto ou indireto com aves infectadas vivas ou mortas. Para o controle da doença é fundamental a adoção de medidas rigorosas na origem animal, ou seja, nas granjas, para diminuir o risco para os humanos.

Dayse: Os vírus da gripe tem como reservatório as aves aquáticas e por isso são impossíveis de erradicar. As aves aquáticas migratórias são um problema para a transmissão. Dessa forma a infecção por influenza zoonótica em humanos continuará a ocorrer no mundo. Para minimizar o risco à saúde pública é essencial uma vigilância de qualidade em populações de animais e humanos, investigação completa de todas as infecções humanas e planejamento de pandemia baseado em risco, com estudos epidemiológicos consistentes. NO Brasil, o monitoramento das aves migratórias nos principais pontos de pouso dessas aves é feito pelos serviços oficiais de vigilância em saúde pública e animal.

Virginia: As características da doença em humanos, como o período de incubação, a gravidade dos sintomas e os resultados clínicos variam de acordo com o vírus que causa a infecção, mas se manifestam principalmente com sintomas respiratórios. Sintomas gastrointestinais, como náuseas, vômitos e diarréia, já foram relatados com mais frequência na infecção pelo influenza A (H5N1). Conjuntivite também foi relatada em influenza A (H7).  Em muitos pacientes infectados pelos vírus A (H5) ou A (H7N9) da gripe aviária, a doença tem um curso clínico grave. Os sintomas iniciais comuns são febre alta (maior ou igual a 38 ° C) e tosse seguida de sintomas de comprometimento do trato respiratório inferior, incluindo dispnéia ou dificuldade respiratória. As complicações da infecção incluem pneumonia grave, insuficiência respiratória hipoxêmica, disfunção de múltiplos órgãos, choque séptico e infecções bacterianas e fúngicas secundárias. A taxa de letalidade para infecções por vírus dos subtipos A (H5) e A (H7N9) entre humanos é muito maior do que para infecções de influenza sazonal. Os sintomas do trato respiratório superior, como dor de garganta ou coriza, são menos comuns.

Dayse: Já para infecções humanas com os vírus da gripe aviária A (H7N7) e A (H9N2), a doença é geralmente leve ou subclínica. Apenas uma infecção humana fatal A (H7N7) foi relatada na Holanda até agora, por um Medico Veterinário que atendeu ao surto. Achamos sempre importante mencionar esse caso para alertar aos colegas a importância da prevenção e do uso de EPI no atendimento a zoonoses.

– Como o relato de casos de Influenza Aviária em países da Europa e da Ásia impactam a sociedade como um todo?

Virginia: De um modo geral, as notificações de Influenza Aviária no mundo estão relacionados aos aspectos de controle sanitário das criações e das medidas de saúde pública. Por isso, a ocorrência dessa doença nas aves afeta, também, o comércio internacional de aves e de produtos avícolas. No Brasil nunca tivemos notificação de Influenza Aviária nos planteis brasileiros. Somos considerados como um dos países no mundo com maior biosseguridade no setor avícola. Não é à toa que o Brasil é o maior exportador e o terceiro maior produtor de frangos do mundo.

– O que fazer após detectar o vírus nas aves? Como ocorre essa detecção?

Virginia: Na verdade as medidas devem ser tomadas muito antes de se detectar o vírus nas aves. No Brasil toda essa vigilância é feita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) através de medidas já estabelecidas no Programa Nacional de Sanidade Avícola que preconiza desde a conscientização dos médicos veterinários oficiais e privados, produtores, trabalhadores rurais, incluindo a orientação de medidas preventivas, passando por um rigoroso monitoramento sanitário das empresas avícolas até um plano de contingência caso haja confirmação da doença, com o isolamento da propriedade afetada e o descarte das aves, doentes ou não, ao redor do foco, num raio de 10Km.

Dayse: Existe uma legislação especifica que exige que diante de qualquer suspeita, ou seja, ao encontrar altas mortalidades, sinais respiratórios ou nervosos nas aves, o serviço veterinário oficial seja notificado. Então começa o trabalho de atendimento à suspeita, em que o veterinário oficial e as empresas adotam as medidas de isolamento, coleta de material para análise e confirmação do foco. Apenas laboratórios credenciados podem atender às demandas do MAPA. E a confirmação só pode ser dada pelo Laboratório Federal Defesa Agropecuária (LFDA) em Campinas, SP.

Tem vacina para gripe aviária?

Virginia: Sim, existem vacinas contra a influenza, inativadas e recombinantes. Mas no Brasil a vacinação é proibida. A vacinação das aves só é indicada em países onde a doença ocorre e assim mesmo, em alguns desses países somente na região do foco. A vacinação pode dificultar a detecção do vírus, então como a doença é considerada exótica no Brasil, ou seja, nunca tivemos casos notificados, a vacinação não é recomendada para o plantel brasileiro. Em humanos temos a vacina para a gripe sazonal, que é aplicada anualmente e é altamente recomendada para evitar casos graves de gripe, mesmo que por outros subtipos do vírus que não o da Influenza aviária. No momento estamos vivendo um aumento nos casos de gripe em humanos e é muito importante que todos se vacinem para evitar a propagação maior da doença e os óbitos.

Currículos

Profa. Dra. Virginia Léo de Almeida Pereira (CRMV-RJ 5028), mestrado em Ornitopatologia, doutorado em Higiene e Processamento Tecnológico de Aves, Ovos e Derivados pela UFF; professora titular da Faculdade de Veterinária da UFF; membro permanente do Comitê Estadual de Sanidade Avícola do Rio de Janeiro; e membro do corpo técnico da Associação Fluminense de Avicultura e Suinocultura.

Profa. Dra. Dayse Lima da Costa Abreu (CRMV-RJ 4334), mestrado em Ornitopatologia, doutorado em Higiene e Processamento Tecnológico de Aves, Ovos e Derivados pela UFF; professora associada da Faculdade de Veterinária da UFF; e coordenadora do Núcleo de Diagnostico Avícola da UFF

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