
O Conselho Regional de Medicina Veterinária vem a público expressar sua profunda preocupação com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 2.159/2021, que altera significativamente as regras do licenciamento ambiental no país. A proposta, aprovada em regime de urgência e sem o devido debate com a sociedade, representa um grave retrocesso na política ambiental brasileira, ao permitir, entre outras medidas, o chamado “autolicenciamento”, que dispensa a análise técnica dos órgãos competentes e exclui a escuta das populações afetadas.
Urge ressaltar que as consequências dessa flexibilização vão muito além do campo ambiental. Ao fragilizar os instrumentos de controle e avaliação de impactos, o projeto abre caminho para o aumento da poluição do ar, da água e do solo; para a intensificação do desmatamento, das queimadas e da destruição de habitats; e, por consequência, para o agravamento de problemas de saúde pública. Está amplamente documentado que a degradação ambiental contribui para a elevação dos casos de doenças respiratórias, cardiovasculares, infecciosas e inflamatórias, especialmente entre populações mais vulneráveis, como crianças, idosos, gestantes e comunidades em situação de risco social.
Além disso, o desequilíbrio ecológico facilita o surgimento e a disseminação de zoonoses — doenças que transitam entre animais e seres humanos — e aumenta a frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas prolongadas e ondas de calor, que pressionam ainda mais os sistemas de saúde, segurança alimentar e abastecimento hídrico. Tais efeitos escancaram a profunda conexão entre a integridade dos ecossistemas e a saúde das pessoas e dos animais.
É justamente essa interdependência que fundamenta a abordagem da Saúde Única ou Uma Só Saúde, que orienta a atuação da Medicina Veterinária em articulação com as áreas da saúde humana, ambiental e coletiva. Ignorar essa perspectiva é comprometer a capacidade do país de prevenir e responder a emergências sanitárias, de proteger sua biodiversidade e de garantir condições dignas de vida para as atuais e futuras gerações.
A aprovação do PL 2.159/2021 ocorre em um momento especialmente simbólico, às vésperas da realização da COP 30, quando o Brasil deveria estar assumindo protagonismo na construção de um modelo de desenvolvimento que respeite os limites ecológicos do planeta e promova justiça socioambiental. Em vez disso, caminha-se na direção oposta, desmontando salvaguardas que são indispensáveis para a saúde coletiva e o bem-estar de todos os seres vivos.
Diante desse cenário, o Conselho Regional de Medicina Veterinária reafirma seu compromisso com a defesa da vida em todas as suas formas e com a promoção da Saúde Única ou Uma Só Saúde como princípio orientador das políticas públicas. Conclamamos as autoridades, a sociedade civil e os profissionais da saúde a se posicionarem contra esse retrocesso e a se engajarem na construção de caminhos que priorizem a preservação ambiental, a equidade e o cuidado com a vida. Apelamos ao presidente da república para que vete esse PL, capaz de comprometer simultaneamente a saúde de humanos, animais não humanos, ecossistemas e o ambiente que compartilhamos e do qual dependemos.
“O Brasil está diante de uma escolha decisiva: ceder ao retrocesso ou afirmar, com coragem, o compromisso com a vida. Pela saúde da população, pela proteção dos territórios, pela força da ciência, pela justiça socioambiental que o país precisa — e merece”, explicou o médico-veterinário Eduardo Mayhe, presidente das Comissões de Meio Ambiente e de Gestão de Riscos de Animais em Desastres.
