
Aliar segurança sanitária, qualidade sensorial e sustentabilidade é um dos maiores desafios da indústria alimentícia. Essa foi a missão que orientou a tese de doutorado do médico-veterinário Yago Alves de Aguiar Bernardo (CRMV-RJ 15535) na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisa que conquistou o Prêmio CAPES de Tese 2024 como a melhor do país na área de Medicina Veterinária.
O trabalho investigou o uso de tecnologias não-térmicas — o ultrassom de alta intensidade (HIUS) e o dióxido de carbono supercrítico — aplicadas ao processamento de leite, carne bovina e pescado. O objetivo foi desenvolver métodos capazes de garantir a segurança e preservar as características dos alimentos, reduzindo o impacto ambiental e o consumo energético em comparação aos processos térmicos convencionais.
Segundo o pesquisador, “os processos térmicos tradicionais, embora eficazes, apresentam altos custos energéticos e não atendem às exigências dos consumidores por soluções limpas e sustentáveis”. As tecnologias estudadas já são conhecidas por sua versatilidade e potencial de aplicação em diferentes etapas da cadeia produtiva, mas ainda carecem de mais estudos para comprovar sua viabilidade em larga escala.
“Para mim foi imprescindível estar inserido nesse contexto entre Vigilância Sanitária e Ciência de Alimentos no sentido de compreender as necessidades da indústria e consumidores frente aos desafios atuais de obter e manter produtos de qualidade e seguros, bem como traçar estratégias de tecnologia e processamento inovadoras que atendam esses objetivos, entendendo os desafios de sustentabilidade.”
Resultados e desafios
No leite, o ultrassom combinado a temperaturas moderadas — técnica chamada termossonicação — foi capaz de eliminar completamente bactérias patogênicas como Escherichia coli O157:H7, impedindo sua multiplicação. “Os danos causados à membrana celular e ao material genético impedem que essas bactérias se multipliquem, o que garante um alimento mais seguro ao consumidor”, explica Bernardo.
Na carne bovina, a tecnologia contribuiu para o amaciamento de cortes mais duros, enfraquecendo fibras musculares e ativando enzimas naturais, como as calpaínas. “O efeito miofibrilar do HIUS contribui diretamente para a maciez da carne, algo valorizado tanto pela indústria quanto pelo consumidor final”, destaca.
No pescado, a aplicação do dióxido de carbono supercrítico removeu a umidade e reduziu a atividade de água, inibindo o crescimento microbiano e prolongando a vida útil. “A secagem com CO₂ supercrítico é muito mais rápida do que os métodos tradicionais e ainda preserva as características físico-químicas dos peixes”, afirma.
Apesar do potencial, a adoção dessas tecnologias em larga escala ainda enfrenta barreiras estruturais e regulatórias:
“O principal desafio do ponto de vista técnico foi a escassez de estudos demonstrando as condições ótimas de utilização de métodos não-térmicos em produtos de origem animal. Por isso, um dos objetivos da tese foi otimizar a aplicação dos mesmos nos diferentes produtos. Dessa forma, as tecnologias estudadas não possuem ainda regulação específica, o que dificulta sua adoção em escala industrial. Além disso, aspectos relacionados a alterações físico-químicas e sensoriais ainda necessitam de estudos aprofundados para entender os efeitos do processamento em escala industrial.”
Reconhecimento e próximos passos
Ao receber o Prêmio CAPES de Tese 2024, Bernardo destacou o impacto social e científico do trabalho: “É um reconhecimento importante, que mostra que é possível produzir ciência de qualidade e com impacto direto na sociedade. Representa também o trabalho de todo um grupo que se dedicou a gerar conhecimento com responsabilidade.”
O médico-veterinário segue no pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ampliando as investigações sobre tecnologias não-térmicas e explorando novas aplicações, como o uso de farinha de insetos na produção de alimentos cárneos. O objetivo é reforçar a ligação entre inovação, segurança e sustentabilidade, promovendo avanços que beneficiem tanto a saúde pública quanto a indústria alimentícia brasileira.
