
O caso ocorrido no último dia 4 de outubro, em São Paulo, no qual três pessoas foram presas — sendo um deles, estudante de Medicina Veterinária — por suspeita de integrarem um esquema clandestino de coleta e venda de sangue de gatos, reacendeu o debate sobre a necessidade urgente de regulamentação dos bancos de sangue veterinários no Brasil.
De acordo com o boletim de ocorrência, a coleta era feita em condições insalubres e sem a presença de um médico-veterinário, dentro de uma residência em Monte Alto. No local, seis gatos foram encontrados desacordados e foram resgatados por uma equipe de médicos-veterinários da prefeitura local. Uma das gatas resgatadas, inclusive, foi diagnosticada com o Vírus da Imunodeficiência Felina (FIV – Feline Immunodeficiency Virus em inglês), segundo a prefeitura.
O esquema foi descoberto após a Guarda Municipal receber uma denúncia de que um perfil nas redes sociais oferecia R$ 50 a responsáveis de gatos em troca da coleta de sangue dos animais. No imóvel, os agentes encontraram cinco pessoas manuseando equipamentos de uso veterinário e frascos com sangue coletado.
O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) esclarece que o episódio reforça um problema que vem sendo amplamente discutido: a ausência de uma regulamentação nacional específica para os bancos de sangue animal. Essa lacuna permite que práticas sem respaldo técnico ou ético ocorram, colocando em risco o bem-estar dos doadores e a segurança dos receptores.
A médica-veterinária Flávia Fernandes de Mendonça Uchôa (CRMV-RJ 7392), membro da diretoria da Associação Brasileira Veterinária de Hematologia e Medicina Transfusional (ABVHMT) e conselheira do CRMV-RJ, explica que há um movimento técnico em andamento para regulamentar a atividade, mas ainda sem publicação oficial.
“Existe um grupo técnico formado por profissionais que atuam e têm expertise na área da Hemoterapia e Medicina Transfusional, que junto ao CFMV está trabalhando para a regulamentação dos bancos de sangue veterinários no Brasil. Ainda não contamos com uma publicação oficial do Conselho Federal, mas a ABVHMT disponibiliza em seu site dois documentos de referência, as Recomendações de Boas Práticas para Serviços de Hemoterapia Veterinária e uma nota técnica sobre Flebotomia de Doadores para a Coleta de Bolsas de Sangue. Nesses documentos, existem informações detalhadas sobre seleção de doadores, coleta, processamento, armazenamento e transfusão de sangue e hemocomponentes. Além disso, esclarecimentos sobre aspectos éticos relacionados à coleta, e às condutas adequadas para a segurança dos doadores e dos receptores”, disse.
A conselheira ressalta ainda que, sem regulamentação, o país enfrenta dificuldades em garantir a segurança e qualidade das transfusões, especialmente pela escassez de doadores saudáveis e pela necessidade de triagem rigorosa para evitar a transmissão de doenças infecciosas.
“Acredito que a nossa principal dificuldade esteja relacionada à disponibilidade de doadores saudáveis e à necessidade de se realizar a triagem dos mesmos, com um painel amplo de exames que garanta a segurança tanto no animal que vai doar, quanto do que vai receber a transfusão. Estamos num país tropical, em áreas endêmicas para muitas doenças infecciosas e não podemos negligenciá-las. Além das questões técnicas relacionadas à qualidade dos hemocomponentes, precisamos ressaltar a importância de garantirmos a segurança e o bem-estar dos doadores, que merecem todo o nosso respeito e dedicação”, emendou.
A médica-veterinária também destaca que, além da criação de uma norma federal, é essencial que os profissionais da área se conscientizem sobre a importância de seguir boas práticas e verificar a procedência dos bancos de sangue veterinários com os quais trabalham.
“A regulamentação é fundamental para que tenhamos um documento oficial. Mas, na minha opinião, a conscientização dos colegas que utilizam os serviços de hemoterapia é o mais importante. As diretrizes detalhadas estão disponíveis, só não temos ainda uma oficialização por parte do Conselho Federal. As ferramentas já estão acessíveis para que todos saibam como proceder, mas infelizmente ainda nos deparamos com situações como esta que foi recentemente noticiada. Então, os clínicos, intensivistas e hematologistas precisam ser muito rigorosos em relação ao banco de sangue que irão indicar aos proprietários, certificando-se de que o mesmo cumpre as regras e oferece segurança aos doadores e receptores”, finalizou.
Esta autarquia reforça que o exercício da Medicina Veterinária deve sempre prezar pelo respeito aos princípios éticos, pela segurança dos animais e pela prática profissional responsável. O Conselho segue acompanhando as discussões técnicas junto ao CFMV e às entidades especializadas, defendendo a urgente regulamentação dos bancos de sangue animal como forma de coibir práticas irregulares e proteger a vida e o bem-estar dos animais.
