Por Leda Maria Silva Kimura

A Raiva é considerada uma das mais importantes zoonoses entre as numerosas conhecidas devido ao seu desenlace geralmente fatal. Entre as variantes antigênicas do vírus da Raiva identificadas no Brasil por meio de anticorpos monoclonais antinucleocapsídeo, destacam-se as variantes 1 e 2, isoladas dos cães; e variante 3 de morcego hematófago Desmodus rotundus.
O Laboratório de Virologia do Centro Estadual de Pesquisa em Sanidade Animal Geraldo Manhães Carneiro (CEPGM), da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado o Rio de Janeiro (PESAGRO-RIO), vinculada à Secretaria de Estado de Agricultura,Pecuária, Pesca e Abastecimento (SEAPPA/RJ), tem detectado, há mais de 40 anos, focos de Raiva causados pela variante 3 associada ao morcego hematófago Desmodus rotundus (principal reservatório em nosso meio) em todo o território do Estado do Rio de Janeiro, principalmente em herbívoros.
Em setembro de 2019, foram enviados ao CEPGM, pela Coordenadoria de Meio Ambiente, dois morcegos do gênero Artibeus (morcegos frugívoros que consomem principalmente frutos, folhas e partes florais), encontrados caídos (um morto e outro vivo) dentro do Horto Botânico de Niterói (RJ), no bairro do Fonseca. Um dos morcegos apresentou resultado positivo para Raiva.
São fatores preocupantes, fatos como a grande presença de animais não domiciliados dentro da estrutura do Horto Botânico de Niterói, representado por felinos e caninos e o de grande numero de primatas calitriquideos (sagui), que por terem habitação arborícola, como os morcegos Artibeus, podem ser contaminados. Outro fato preocupante é a não continuidade das campanhas de vacinação contra a Raiva no município.
Ressaltamos que, em se tratando de Niterói, em 2018, já alertamos sobre a circulação do vírus da Raiva no município, já que em nosso laboratório houve comprovação da detecção do vírus em questão em três morcegos não hematófagos (Artibeus sp), no perímetro urbano no Bairro de São Francisco.
Embora não sejam animais agressivos, morcegos do gênero Artibeus podem morder caso se sintam acuados, transmitindo a doença para animais domésticos e humanos, quando contaminados com o vírus em questão. Orienta-se que a população não entre em contato com os morcegos caídos (vivos ou mortos), devendo cobrir o animal com um recipiente e entrar em contato com a Vigilância Sanitária.
Adverte-se, ainda, que quirópteros (morcegos) são essenciais à preservação do ecossistema, por isso não devem ser caçados ou mortos. Preferencialmente devem ser encaminhados ao laboratório oficial para identificação e diagnóstico. Os resultados positivos para essa importante zoonose, no presente relato, foram informados aos órgãos oficiais de Defesa Sanitária Animal, Vigilância em Saúde e Secretaria de Meio Ambiente para execução das medidas cabíveis. Ressalta-se que os morcegos, todos do gênero Artibeus, foram coletados na cidade de Niterói, em bairros residenciais.
A presença de colônias de morcegos hematófagos e não hematófagos no perímetro urbano deve-se, principalmente, a desequilíbrios ambientais nos ecossistemas. A presente nota tem por objetivo alertar sobre as possíveis consequências derivadas do diagnóstico positivo desta fatal zoonose em amostras de morcegos.
No Estado do Rio de Janeiro, há mais de duas décadas não são detectados casos de Raiva em caninos e felinos, podendo caracterizar controle da variante 2 (associada principalmente a caninos) como reflexo das campanhas de vacinação contra a Raiva com cobertura vacinal de quase 100%. No entanto, a detecção da circulação da variante 3 em áreas urbanas apresenta o risco e a possibilidade de que cães e gatos sejam infectados por esta variante por meio de morcegos, exigindo a continuidade da vacinação contra a Raiva nestas espécies, ficando, ainda, o alerta para a identificação e medidas profiláticas pós-mordedura de morcegos em humanos.
O esforço conjunto de médicos-veterinários clínicos, de órgãos oficiais de pesquisa, de Agricultura, de Saúde e de Meio Ambiente, certamente são essenciais para o diagnóstico e detecção de focos e consequente tomada de medidas de controle e profilaxia.
O alerta à comunidade médico-veterinária, médica e à população em geral, torna-se necessário para a conscientização do perigo representado por morcegos positivos para Raiva, sejam hematófagos ou não, encontrados em áreas urbanas. A notificação aos órgãos oficiais para envio aos laboratórios que realizam o diagnóstico da Raiva é imprescindível para controle dos focos e vacinação pós-exposição, evitando, assim, que voltemos a nos deparar com a Raiva urbana em cães e gatos.

Leda Maria Silva Kimura – Médica-veterinária responsável pela Área de Virologia do Centro Estadual de Pesquisa em Sanidade Animal Geraldo Manhães Carneiro (CEPGM), da PESAGRO-RIO; conselheira do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) e membro da Comissão Estadual de Saúde Pública Veterinária do CRMV-RJ.