Conheça os perigos de se consumir um alimento de origem animal que não passou pela inspeção de um médico-veterinário

Brucelose

O consumo humano de carne crua de animais contaminados, leite cru ou produtos lácteos que não receberam tratamento térmico adequado é um fator de risco de transmissão da brucelose bovina. Essa zoonose é causada pela bactéria Brucella abortus e ainda pode ser transmitida ao homem por meio de contato da bactéria com as mucosas ou feridas na pele.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, com a capacidade para afetar diversos órgãos e sistemas, a brucelose humana pode simular ou se assemelhar a outras infecções e doenças não infecciosas. Alguns dos sinais e sintomas mais comuns são: febre; mal-estar; sudorese (noturna e profusa); calafrios; fraqueza; cansaço; perda de peso; e dores de cabeça, articulares, musculares, no abdômen e nas costas. O período de incubação varia entre 5 e 60 dias, podendo durar por até dois anos.

A brucelose também é responsável por grandes prejuízos no rebanho nacional de bovinos e bubalinos, devido ao aborto, redução da fertilidade e consequente queda na produção leiteira.

Confira a entrevista com o médico-veterinário e integrante da Comissão Estadual de Alimentos do CRMV-RJ, Carlos Alberto Magioli (CRMV-RJ nº 1345), sobre os cuidados que a população deve tomar no consumo de carne e produtos lácteos não pasteurizados, e a atuação do médico-veterinário para controle da Brucelose:

  • Quais os cuidados que a população deve tomar ao comprar produtos lácteos?

A Lei Federal nº 1283 de dezembro de 1950, estabeleceu a obrigatoriedade da prévia fiscalização, sob o ponto de vista industrial e sanitário, de todos os alimentos de origem animal e a política Nacional de relação de Consumo ao reconhecer a vulnerabilidade do consumidor nesta relação, instituiu o Código de Defesa do Consumidor, tendo as empresas fabricantes, a partir destas legislações a obrigação, dentre outros requisitos, de expor nos rótulos dos produtos as orientações básicas para quem os vai adquirir.

Desta forma, os cuidados iniciais referem-se a leitura atenta das informações impressas nos rótulos, que no caso dos produtos lácteos incluem a identificação da chancela do órgão fiscalizador atestando que o produto está de acordo com a legislação de ter sido previamente inspecionado.

O prazo de validade é outra informação importante sobre a propriedade para consumo do alimento, seguido das demais inscrições como a identificação do estabelecimento produtor e as características nutricionais de acordo com as necessidades alimentares do consumidor.

Outro ponto importante a ser observado está relacionado as condições de conservação do produto exposto a venda, se congelado, resfriado ou a temperatura ambiente, cada um com suas características próprias e atestadas no momento da aquisição; e concluindo pela observação dos requisitos sensoriais próprios de cada tipo de produto como aspecto, cor ou outros perceptíveis, fáceis de serem observadas mesmo por quem habitualmente não consome o produto. É importante assinalar que o produto deve ser mantido sempre na temperatura de conservação definida pelo fabricante e também impressa no rótulo e que qualquer alteração dos requisitos citados deve resultar em desconsiderar o produto como próprio para consumo.

  • Como funciona a inspeção do médico-veterinário nos produtos lácteos?

Em complementação a Lei 1283 acima referida, a Lei 7889 de novembro de 1989 descreve que são competentes para realizar a fiscalização dos produtos de origem animal o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ou os Serviços de Inspeção, sejam Estaduais ou Municipais, definindo a competência de cada um em função da área de comercialização do produto fiscalizado. Para um produto a ser comercializado dentro do mesmo município onde foi produzido, a incumbência da Fiscalização é da Inspeção Municipal. Para comercialização intermunicipal, é da Inspeção Estadual; e para a interestadual ou internacional, da Inspeção Federal.

De acordo com a Lei 5.517/1968 a inspeção/fiscalização é de competência exclusiva do médico-veterinário já que, em sua formação profissional, reúne os conhecimentos necessários para esta atividade, a começar pelos conhecimentos técnicos para a avaliação das condições de saúde do animal vivo, matéria prima para elaboração dos produtos, passando pela inspeção higiênica, sanitária e tecnológica de todas as fases de produção, seja praticando a denominada inspeção permanente onde fiscaliza in loco durante todo o processamento industrial, seja por auditorias dos controles obrigatórios realizados pela empresa fabricante. A denominada técnica de inspeção é realizada tomando por base estas diversas áreas de conhecimento da Medicina Veterinária, utilizando este profissional os meios físicos para sua realização e avaliação tanto do animal vivo, quanto das operações higiênicas, sanitárias e tecnológicas de elaboração, complementados, quando necessários, por exames laboratoriais físicos, químicos ou microbiológicos.

  • Quais os perigos de consumir um produto lácteo não inspecionado?

Os perigos de se consumir um alimento de origem animal, em especial um lácteo, que não tenha passado pelo crivo de um órgão fiscalizador, está nos possíveis agravos a saúde pública, ou seja, do consumidor contrair uma doença do grupo das zoonoses que são aquelas transmitidas entre animais e humanos. Atualmente são descritas mais de 200 doenças reconhecidas como zoonoses no mundo e a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a luta contra as zoonoses uma das principais atividades de saúde pública veterinária. Como principais exemplos de patógenos passíveis de serem transmitidos pela ingestão de produtos lácteos não inspecionados, podem ser citadas a Brucella abortus causando a doença brucelose no homem e o Mycobacterium bovis associado a tuberculose humana.

A brucelose em seres humanos usualmente apresenta-se como zoonose ocupacional, associada ao contato direto com animais infectados, ou ainda pelo hábito da ingestão do leite cru ou de produtos lácteos fabricados com leite cru. Situação semelhante acontece para a tuberculose que tem no consumo do leite e produtos lácteos crus, importante fonte de contaminação humana, além da carne e produtos cárneos consumidos crus ou mal cozidos.

  • Como proteger o rebanho de doenças consideradas zoonoses?

A forma de proteger o rebanho de doenças que podem ser transmitidas ao homem é através do controle sanitário dos animais exercido pelo médico-veterinário. Nas propriedades em que se criam animais, seja para que finalidade for, os controles zoosanitários são obrigatórios existindo, inclusive, algumas patologias que, devido a sua gravidade ou repercussão econômica, são de notificação compulsória às autoridades de sanidade animal quando de sua incidência. No caso específico das duas doenças citadas, brucelose e tuberculose, o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal, instituído pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, de cumprimento obrigatório em todo o país, tem por objetivo reduzir a prevalência e a incidência dessas doenças em bovinos e bubalinos, visando a erradicação, da mesma forma que, para outras doenças existem também programas específicos para controle e muitas vezes para erradicação. Obviamente que estes programas ao controlarem ou erradicarem estas doenças está concorrendo para que os animais acometidos ou seus produtos não chequem ao comércio.

  • Atualmente, no Brasil, existe alguma autorização para venda de leite cru ou produtos informais? Se não, por quê?

Quanto a comercialização diretamente para o consumidor de leite cru, ou seja, que não tenha passado por nenhum processo térmico, não é permitida pelos perigos sanitários que podem representar como explicado anteriormente, havendo apenas a exceção para os queijos de maturação longa que podem ser elaborados a partir de leite cru desde que os animais que deram origem ao leite sejam controlados e certificadamente livres de brucelose e tuberculose, uma vez que este período de maturação inativa outros microrganismos patogênicos.

Da mesma forma, os produtos informais, entendidos como aqueles que não sofreram a fiscalização na origem, também não podem ser comercializados pelos mesmos motivos da existência da legislação que obriga a prévia inspeção sanitária e tecnológica. A partir de 2018, com a lei 13.680, passou a ser permitida a comercialização em todo o território nacional de produtos de origem animal elaborados de forma artesanal com características tradicionais, culturais e regionais próprias, com requisitos tecnológicos mais simples, entretanto mantendo as mesmas exigências de ordem sanitária requeridas para qualquer outro produto de origem animal, tanto no que diz respeito a matéria prima quanto a higiene na elaboração e a prévia inspeção por órgão oficial.

Carlos Alberto Magioli

Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1976), Mestre em Medicina Veterinária (Higiene Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem Animal) pela Universidade Federal Fluminense (1990). Doutor em Medicina Veterinária (Higiene.Veterinária e Processamento Tecnológico de Produtos de Origem.Animal) pela Universidade Federal Fluminense (2017). Auditor Fiscal Federal Agropecuário aposentado do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Professor do Curso de MBA da Universidade Veiga de Almeida. Ex-professor do Curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário Plínio Leite. Acadêmico da Academia de Medicina Veterinária no Estado do Rio de Janeiro.

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